julho 12, 2015

A. A.

De todos os amores, dos intensos aos mais calmos, dos duradouros aos mais rápidos, dos de cama aos de planos de vida. De todos, todos os que vivi, só ficou o seu. Que me visita em tardes como essas, no litoral de uma saudade que não sabe ser preenchida. Temos todos os anos entre nós. Temos as palavras ditas e as que não tivemos coragem de dizer. Temos os erros. Eu tenho o peso da culpa, você tem a leveza das lágrimas. Tatuei você sobre e sob a pele. Não importa tudo que veio depois, tudo que construí tentando me separar de nós, fui sempre sua. Guardo minha aliança, os sonhos e um pedido de perdão que você não pode me dar.
São 7 anos em que vivo uma eternidade.

Cáh Morandi

julho 03, 2015


Não, dessa vez o amor não perdoará. Não terei a chance de pedir desculpas, de fazer o que é certo. Você não encontrará nessas palavras o meu pedido de perdão e não espalharei por aí meu arrependimento. Sou extremamente hábil em ser incompetente quando estou à frente do que quero, sou insuficiente quando deveria ser exata, perco os argumentos quando brigo e quando posso confessar tudo que penso, esqueço o que decorei para dizer ao pé do ouvido. Sou esse medo, sou essa paralisia, essa inconstância. A minha vida está sempre com um nó na garganta. Estou sempre quase, e isto é meu melhor por enquanto.
Se fosse possível, você poderia me esperar?

Cáh Morandi

junho 30, 2015

há algo em ser tua
que me devolve, mas
mais lapidada, cristalina e
transparente
me vejo com teus olhos
e sei que não sou
como me vês, mas
saber como enxergas
me faz viver o amor
ante mesmo de
compreendê-lo
tu me significas

Cáh Morandi
Sou frágil, amor.
Por trás das palavras
sou só silêncio; por trás
da armadura sou só
desejo; por trás da negação
sou amor, confesso. Me
toma do que penso.
Tua palavra será
meu destino.

Cáh Morandi

junho 21, 2015


Gosto dos teus lábios. Ainda mais se eles estão nos meus. Muito mais quando se tornam nômades em meu corpo. Gosto do sabor que há em tua carne, da medida em que ferves as emoções em teu sangue para brindar-me com o encontro. Gosto quando demoras em deixar-me, quando postergas retirar teu peso sob. Gosto quando comigo se excede, quando transbordas em minha companhia, quando divides a luz e depois entardeces ao meu lado, quando sonhas acordado para contrariar meus sentidos.

Cáh Morandi

abril 16, 2015

para os íntimos



Sinto intimidade com quem me permite o silêncio – mesmo quando as palavras poderiam ser necessárias. Quem compreende a ausência da fala inclina a cabeça em prece e também ora. Permito-me, que às vezes, o pensamento seja mais lento, que dentro de mim, se contorça, se exprima e se dilua sem alcançar minha voz. Sentir é isso: a pausa na música para o suspiro. Sentir é isso: o espaço que a terra espera para receber a próxima gota de chuva. Sentir é isso: o segundo que a pálpebra se fecha para abraçar os olhos. Sentir é isso: descobrir qual flor abriu primeiro a primavera. Não há tempo perdido na ausência, somente na falta. Ausência é ainda estar. Falta é já ter partido. Gosto de quem permite ausentar-me. Que não interrompe meu êxtase em mim. De quem não pede a escrita. Só quem nos conhece bem próximo é capaz de saber nosso silêncio e lê-lo. O silêncio é língua da intimidade.

Cáh Morandi
nunca quero saciar,
nem transbordar,
nem cansar,
nem encontrar sossego:
quero em ti, sempre encontrar
uma falta, um vazio de gestos,
uma palavra perdida, uma ausência
para que eu nunca seja
plena e completa
para que eu nunca
me encontre suficiente
que eu te ame mais
do que te ame:
que haja em mim
a incontrolável
necessidade.


Cáh Morandi

abril 15, 2015

para quem ouvir



Empresto meu tempo à ouvir quem tem mais estradas do que eu. Não é desgastar o ouvido quando a palavra vem carregada do peso das suas histórias. Não é dispensar o que aprendi e vivi, mas reconhecer que há belezas que só quem atravessa o tempo conhece. Meu avó soube envelhecer, herdo dele os traços do rosto e a palavra bruta – que no fundo é poesia para quem sabe entender. Suas mãos calejadas dos arados dos anos e das cidades à que foi predestinado, assinam o livro de quem viveu demais para perder tempo escrevendo (estas minhas palavras são seu prefácio). Essa rudez que levemente se estampa sobre a falta de vocabulário, se esmaece ao som da sua voz. De tudo que aprendi com ele, não esperei saber do amor. Não esperei que ele me traria o sentido de tudo que já li e escrevi. Conhecimento só tem valor se é passado adiante, assim transcrevo as suas palavras, sob o olhar de minha avó: “Espero que você tenha a nossa sorte, de ter alguém que vai passar a vida com você. Porque hoje, com mais de 50 anos de casados, a melhor coisa que você tem na velhice é poder contar as mesmas histórias juntos”. Calei. Silenciei. Nenhuma palavra pode contestar o amor, principalmente diante de alguém que o viveu.

Cáh Morandi

abril 14, 2015

sobre a poesia

Sou uma mulher de muitos livros
Incontáveis poemas me deixei, noutros fiquei por dias
Tardei em contar alguns causos, me precipite em viver o que podia
Me dei o direito de esquecer o discurso
De perder a caneta, de calejar o pulso
A poesia me tornou madura,
Mas me colheu ainda na palavra antiga,
Meu arado foi trabalhar cada letra
Desconstruir a escrita
Semear sem esperar a rima
O meu ofício sempre foi outro:
O outro.

Cáh Morandi

abril 13, 2015

duelo



Prefiro ter entre nós o precipício. Antes o salto ao abismo do que se aproximes. Antes que tuas mãos, aparente aveludadas, alcancem meus pêlos. Evito sentir teu falso aroma de quem virá sem causar danos. Sei que há mascaras em ti. Sei que vens, disfarçando, se chamando por outros nomes, vestindo vistosas vestes. Vens sempre antes. Bem antes. Incorporada numa felicidade abrupta, num amor cheio de promessas. Numa tarde serena me iludes, sentada ao meu lado, enquanto confesso as fraquezas que usarás, algum dia, contra mim. Tu vens, pede colo, me dá teus ombros, enches meu futuro de promessas vazias. Às vezes te reconheço pela voz, outras pelo peso do teu corpo. Sei quando mastigas as palavras para confessar o pecado que irás cometer. Serpenteia minhas histórias, se parece com meus antecedentes. Até pareces próxima, parente, irmã de uma vida parecida com a minha – ou tão diferente que é possível cogitar a possibilidade de completarmo-nos. Brinco contigo sabendo quem tu és nas noites mais severas e nas manhãs mais novas. Já sei do doce que começas e no amargo que tu te tornas, e engasgas, atravessada em minha garganta. Não pense que não sei teu nome. Não pense que não sei que sempre estás à beira. Um passo. Um suspiro da minha nuca. Foge de mim, pois ainda não duvide que te venço. Ah, dor: quem de nós será nosso tormento?
Cáh Morandi

Curta