abril 01, 2015

o dia da mentira



Nenhuma mentira é maior do que a mentira no amor. Podemos perdoar um amigo, considerar as razões dos pais, compreender os irmãos. Mas num relacionamento a mentira é como decretar o fim. Mesmo que acertem, que tentem diferente e de novo. A mentira sempre viverá à sombra do casal. Aparecerá no meio de uma discussão meses, se não dias, mais à frente. A mentira do outro sempre será o argumento para condená-lo ou para justificar suas falhas na relação. E vice-e-versa. O problema sempre será maior do que pensamos. Mesmo que o outro nunca mais faça aquilo, andaremos com um pé atrás. Procuraremos sinais que comprovem as palavras antes e depois do encontro com os amigos. A saída sem você será sempre uma dúvida ocupando o pensamento. Ele pode ter mentido sobre como usou o dinheiro guardado, sobre o lugar que foi, com quem esteve, que trajeto fez em sua viagem e não importará quão leve ou profunda seja o que deixou de ser verdade, não há mais segurança nas palavras. Podemos mentir para salvar o amor, não raro, a verdade é a primeira coisa que sacrificamos.

A mentira não começa a existir no dia que nasceu. Ela nasce quando é confessada ou descoberta. Quando você já está dentro dela que nem percebeu. Quando é impossível de remedia-la. Quando você já é cúmplice. Quando não há mais resgate para o amor. O que mais agride não é o porque a mentira foi criada. Recomeçamos os relacionamentos, a confiança não se recomeça. A dor nunca será o que o outro ocultou em suas circunstancias, mas não compreender o porque não eramos dignos da verdade.



Cáh Morandi

março 27, 2015

Espero um amor



Não espero um amor que me complete. Sou inteira em mim. Espero um amor que me ajude a olhar para as coisas que não consegui por limitar a retina. Espero um amor que entre em minha casa, abra as cortinas, mude meus móveis e me faça habitar em minhas raízes produzindo outros frutos. Espero um amor que me apresse em minha demora em levantar aos domingos e que me desacelere para dormir durante a semana. Espero um amor que não mude minha crença, mas que aumente minha fé. Espero um amor que contradiga os ditados, a rotina, os limites. Espero um amor que não me compre livros, mas que escreva comigo, em vida, uma poesia sem ser decorada. Espero um amor que não me queira rasa e comum, mas que ajude a cavar em mim o que tenho receio de conhecer. Espero um amor que me traga perigo e frio na barriga, que me dê o nervosismo de quem ainda está se apaixonando. Espero um amor que não prometa envelhecer ao meu lado, mas de sermos jovens até o fim das nossas vidas. Espero um amor que não me prive da liberdade de ficar em silêncio. Espero um amor que me irrite, me torture, me tire do sério para que eu não seja sempre um mar sem ondas. Espero um amor que me admire por tudo que sou e por tudo que não escolhi ser. Espero um amor não me ensine o caminho do destino, mas que me diga que é possível desaprender o que esperam de nós. Espero um amor que me ajude a construir a felicidade, mas que também me faça doar os ombros para as tristezas. Espero um amor que ame minha inutilidade, meu cansaço, meus desastres, meus fracassos, minhas angustias – alguém que respeite o que em mim não é bom, produtivo, admirável ou útil. Espero um amor que tenha gosto por viagens, mas que saiba voltar. Espero um amor que perde o horário, que demore para ler o cardápio, que respeite as pessoas não só pelos seus nomes. Espero um amor que tenha demora em me despir e memória para me vestir. Espero um amor que saiba meu tempo e não me diga para apressar ou demorar os passos. Espero um amor que saiba o valor dos filhos que teremos ou não. Espero um amor que honre seus pais, que sente falta dos seus avós. Espero um amor que conte suas diversas histórias com o entusiasmo de quem tem uma novidade escondida no bolso. Espero um amor que respeite o caminho que percorri, que não faça descaso da minha dor. Espero um amor que leia os jornais para mim e diga que será um dia de sol sem consultar a previsão. Espero um amor que deite ao meu lado, que envolva seus braços sobre mim e que saiba embalar até adormecer os medos que não conto. Espero um amor que me dê um novo sobrenome. Não espero um amor que me complete, mas que me estenda.

Cáh Morandi

março 26, 2015




A certeza de quando perdemos a intimidade de um amor: provocar uma conversa qualquer para desafogar o silêncio. E pensar que o fim foi o excesso de palavras.

Cáh Morandi

março 24, 2015

ao passado


Não sou condenada pelo futuro, somente o passado poderia colocar em mim suas algemas. Acontece que nunca fui de me culpar, de me torturar por mal algum que tenha feito - porque se fiz, fiz sem querer. Falhei em todos os relacionamentos anteriores. Sim, todos. Se perguntarem aos que me amaram, ou a quem amei, certamente haverá uma lista de coisas que dirão sobre mim. A intensidade me fez uma mulher urgente e até aqui vivi paixão e amor em alta tensidade. Sei que avassalei alguns corações simplesmente por ser eu. Passei rápido demais por algumas vidas - e em algum caso, não fui embora por querer, mas por medo de que poderia justamente achar sossego. Meus sentimentos à quem magoei, à quem disse algo de forma bruta, à quem respondi com um silêncio torturador. Paixões, me desculpem. Amor, me perdoe.

Cáh Morandi

março 20, 2015

Socorro




Fui atropelada.

Faz um certo tempo.
O Amor veio desgovernado, perdeu o freio, foi tão repentinamente, que ninguém por perto notou, gritou um alto: "-Corre!". Não deu tempo. Deu de frente com meu peito, meu coração parou por alguns segundos, a respiração ficou mais ofegante.
Lançada para o mais longe que podia de toda minha consciência, na inconsciência ouvia o Amor dizer baixinho: "-Calma, dará tudo certo!". Ali, estirada, dolorida, sofrendo, sem saber se em mim existia a alegria em ter ainda um resto de vida ou agonia em perceber que a morte estragaria o pacto com a eternidade, pensava em quanto tempo demoraria o socorro. Para onde me levariam? Quem me ajudaria a ter coragem de abrir novamente os olhos? Que remédio viria para curar das feridas expostas ou não? Quando estancariam este sangue fervido que encontrava caminho para fora de mim? 
A vida não mais foi a mesma, ganhou a profundidade de quem a reconhece mais forte do que supunha e por ela foi nocauteada. Havia mais do que a surpresa do embate do Amor: o Amor era o próprio resgate. Mas o ar ainda faz falta certas vezes.


Cáh Morandi

março 16, 2015

gota



a dor em mim dilacerante
nenhum instante é possível
você sentir, nem queira
essa sensação traiçoeira
que parecia, bem antes,

a alegria do amor


apenas respeite este instante
se minha ferida gritar latejante
não terei voz, mas esse poema
é minha gota de sangue

Cáh Morandi

março 03, 2015

Por muito tempo havia fechado o coração para o amor. Amor daqueles dos bons, sabe? Daqueles que tomam nosso pensamento, que trazem um sorriso discreto enquanto você espera na fila do trânsito, daquele que você tem até uma música para referenciar. Amor que dá vontade de até replanejar a vida, mudar de cidade, mudar de estilo, substituir os planos por decisões momentâneas. Amor que faz você esquecer a panela no fogo, o óculos no banheiro, a água das plantas. Amor que te desperta para o que nunca viu ou teve tempo: novos livros, a decoração do quarto, começar um jardim, conversar mais tempo com nossos vizinhos. Amor que só por existir faz com que nos sintamos incrivelmente capazes de sermos felizes, considerando até as impossibilidades e incertezas. Estou me abrindo de novo, quero a chance de uma nova felicidade, mesmo que se façam novas cicatrizes. Que as minhas marcas sejam de amor.

Cáh Morandi

março 01, 2015

transcender-se
em ser além do que se é - ou vê
a parte do outro
a partir de você
anteceder sobre o que já foi
não escolher os perfumes:
significar os aromas

Cáh Morandi

fevereiro 28, 2015

você me deixou
em estado de febre
não há o que em
mim não arda
ou incendeie e
fere
sou a própria
chama, não assopre,
se queime

Cáh Morandi

fevereiro 22, 2015

Quanto tempo já partimos do território do nós? Andamos, andamos, andamos, mas permanecemos perto de alguma lembrança mútua de um passado impassável. O amor nos fez nômades. Nenhum corpo nos completa, nenhum abraço nos completa. Não houve madrugadas como as nossas, os dias não amanhecem como eram de costume. Uma estranheza preenche as horas não preenchidas dos compromissos da rotina. Mas apesar da distância do amor, ainda sorrimos, brindamos os amigos, celebramos as boas novas. Tem sido possível viver. A vida está aparentemente completa. Aparentemente.

Cáh Morandi

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