junho 25, 2013

escrevo-me



Se uma notícia ruim me atravessar não me prenderei a ela. Hoje preciso ver além da chuva, hoje preciso sentir além do frio, só assim não me recolherei. Recomponho a dor de me perder para o acaso, isto que toma de surpresa pelo caminho e desmorona as esperanças. Agora adio a felicidade sem pressa de possuí-la, para quer ter nas mãos algo que pesa bem mais do que alivia? Esqueço o nome do filho que não tive, lembro das viagens que fiquei por fazer, me divirto pensando nas noites que não dancei. Meu corpo corrompe com o trato de irmos até o fim, não envelheceremos só para não perder a memória. Começo a morrer para a vida ser mais intensa. Se duvidarmos do amanhã, o hoje não poupará na plenitude. Escrevo minha história para não publicá-la, quero ser uma carta que ficou por ser enviada.

Cáh Morandi

junho 23, 2013

poesia de domingo


Poesia é cada manhã de domingo, é despertar do sonho na segurança do abraço, é alvorecer dentro da preguiça das horas, é tardar nos planos, é transferir a fome para matar a sede, é comprometer o juízo pelos lençóis, é demorar na respiração para se reconhecer no cheiro do corpo amanhecido, é recontar os arrepios da pele para se perder no calafrio, é adoçar o beijo ainda nos próprios lábios, é abrir os olhos para cerrar os cílios da alma, é não ter pressa de se reconhecer para ser anônimo na dor, é buscar o livro da cabeceira para redecorar o vocabulário, é adiar o movimento para estremecer na permanência, é procurar as costas debaixo das cobertas para deitar o toque. Poesia é sempre um domingo, é sempre esta manhã em que posso escolher as palavras. Tua voz penetra calmamente meus ouvidos e me convida para namorar o dia. Hoje só serei encontrada no amor.

Cáh Morandi

junho 20, 2013

para a liberdade




se o tempo passar
deixe apenas
que passe

no tempo não
há alianças
nem algemas,
nele se anulam
as promessas

há este segredo:
não nascemos para um amor,
morreremos pela liberdade.


Cáh Morandi

junho 19, 2013

líquida

escorro só para
não perder a gota,
recolho a saliva
para inundar o gosto -
líquida, provoco a sede
evaporando para voltar
na próxima chuva
para ti,
acalmo as ondas -
não quero ser
um rio, que passa:
quero ser foz,
que verte

Cáh Morandi

junho 18, 2013

bem agora



calma, me acalma
nos próximos segundos

você chegou repleto
de palavras guardadas
sufocadas em você
eu só não esperava, 
bem agora, esta
novidade:

um convite, no meio
da minha liberdade,
pra me prender a você

o que eu esperava
na hora errada
de acontecer


Cáh Morandi

junho 14, 2013

dureza


Não sei bem certo quando amadureci demais para o amor. Me separei do poema, como águas de cores diferentes. Nos repartimos para nos multiplicar. Deixei o carinho nas palavras, levei a dureza para os dias. Uso a razão para não mais me ferir. Endureci não por falta de amar, mas por excesso. Nunca medi o tamanho do beijo, antes da paixão eu já cedia na entrega. Não mais, por agora. Uma serenidade me convidou ao descanso. Somente espero sem subornar a expectativa. Nem sempre a espera tem recompensa. Ela apenas favorece o tempo. E o tempo, traz cura. Hoje quero apenas companhia, uma mão pousada sobre a minha até o próximo domingo. Uma vida sem crer no amor é tão cruel como a morte. Por enquanto, adormeço.

Cáh Morandi

para não dizer


não decepciono no amor
falho apenas na correspondência:
imóvel, não sou de grandes gestos
falo pouco, sou tímida na voz
desvio o olhar para negar
tenho medo de confessar
teu nome, secreto -
para não dizer,
te escrevo poemas

Cáh Morandi

junho 12, 2013

aqui em mim


demorei para reparar
que você havia chegado
em mim

te descubro entre
as coisas boas e melhores
morando em meu peito

não do lado esquerdo,
mas estranhamente direito:
precisei de um novo coração
para te receber


Cáh Morandi

junho 11, 2013

descuido


Perdi antes mesmo de ser derrotada pelo amor. Ao contrário de tudo que espero, inverso ao meu desejo mais secreto, você está. Não me oferece futuro, não aliança nossas mãos para um sempre. Me deixa para depois, fico estagnada na dúvida, sem avanço ou recuo. Cedo para ele ficar um pouco mais. Guardo a expectativa para correspondê-lo no agora. Não precipito para continuar no beijo. Enquanto posso, enlaço meus dedos nos dele, troco nossas digitais para a eternidade. Deixo ele ficar no meu corpo pelo tempo que queira e não pelo que desejo, tardo no suor. Não digo que o amo, embora. Não mostro que o quero, porém. Engano-me no amor para não sofrer a despedida.

Cáh Morandi

junho 10, 2013

isto


isto que paira
entre o nosso olhar,
isto que morde
os lábios da nossa boca,
isto que arrepia
nossos pêlos e peles

isto que disfarçamos,
que negamos com um sorriso,
que escapamos com o alívio
de não nos entregar

Cáh Morandi

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