O que faz com que as pessoas vejam em mim a delicadeza? Será esse meu rosto claríssimo em contraste com o negro dos cabelos cacheados? A boca desenhada em “forma de coração” pintada como uma tela de um vermelho ardente? Os olhos pequenos, levemente puxados, abraçados pelos longos cílios? As mãos pequenas cuidadas porque quem tem um jardim de palavras? E como pode ser que seja isso que eu transpareça? E essa coisa tão selvagem no meu jeito de olhar ? E esse fogo, coisa que são só dos dragões, que me arde a garganta? E essas garras afiadas, cuidadas, como se não pudessem arranhar, cravar, fazer doer? E essa fera que me revira por dentro, que parece que sangra, que ronda, que me morde, que acorda quando quero dormir? Como pode ninguém perceber esse perigo que sou, esse bicho feminino que anda por aí a solta, revolta, em vez de pêlo, encoberta de pele e malha fina.
(Cáh Morandi)