Empresto meu tempo à ouvir quem tem mais estradas do que eu. Não é desgastar o ouvido quando a palavra vem carregada do peso das suas histórias. Não é dispensar o que aprendi e vivi, mas reconhecer que há belezas que só quem atravessa o tempo conhece. Meu avó soube envelhecer, herdo dele os traços do rosto e a palavra bruta – que no fundo é poesia para quem sabe entender. Suas mãos calejadas dos arados dos anos e das cidades à que foi predestinado, assinam o livro de quem viveu demais para perder tempo escrevendo (estas minhas palavras são seu prefácio). Essa rudez que levemente se estampa sobre a falta de vocabulário, se esmaece ao som da sua voz. De tudo que aprendi com ele, não esperei saber do amor. Não esperei que ele me traria o sentido de tudo que já li e escrevi. Conhecimento só tem valor se é passado adiante, assim transcrevo as suas palavras, sob o olhar de minha avó: “Espero que você tenha a nossa sorte, de ter alguém que vai passar a vida com você. Porque hoje, com mais de 50 anos de casados, a melhor coisa que você tem na velhice é poder contar as mesmas histórias juntos”. Calei. Silenciei. Nenhuma palavra pode contestar o amor, principalmente diante de alguém que o viveu.
Cáh Morandi
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