Não darei mérito ao acaso pela chegada do amor, não seria justo simplificá-lo às voltas que a vida deu. Chegamos um para o outro através de um longo caminho de incompetências e acertos. Todos os outros relacionamentos precisaram falhar – não que não fossem bons ou felizes, mas com o tempo havia algo que faltava e ambos não achávamos mais em nós. Tive que mudar de cidade, aprender novas rotas, refazer inúmeras vezes ciclos de amigos e ir conservando o melhor de cada tempo, local, situação. Troquei de emprego, de ramo, fracassei, acertei, trabalhei mais tempo do que dormi. Escolhi um carro novo, coloquei mais quilômetros em minhas histórias. Perdi alguns vôos, remarquei outros. Fui ser estrangeira em outros países, decifrei novas línguas, criei meu próprio dialeto. Passei café mais fortes, requentei pizzas pela manhã. Mudei de hábitos, de âmbitos. Comprei livros que não costumava ler, mas que seriam necessários para um dia trocar idéias com você sobre as teorias que não me interessavam. Tive que optar por coisas que não gostaria, e às vezes fazer coisas sem vontade, por saber que o necessário nem sempre é o agradável. Comecei a fazer feira nos sábados pela manhã e a colecionar sabonetes de hotéis onde me hospedei. Tive chances de fazer loucuras, tive chances de ter razão. Briguei com quem não devia para exercitar com fervor o perdão. Me desprendi do supérfluo, consegui enxergar as coisas além de mim. Passou também o tempo em que eu sabia todas as coisas e voltei a pedir conselhos para meus pais. Durmo menos, preocupada em viver o que tenho direito. Fiz tatuagens, bebi além da conta, não pequei pela falta, nem pelo excesso em minha juventude. Fui a muitos shows, teatros, comprei muitos discos, ampliei meus gostos para saber que não estava errada. Saltei de para-pente, de asa-delta, mergulhei, fiz trilhas por lugares quase inalcançáveis. Tive que estudar mais do que pensei, ter mérito por ser quem sou e assim ser aceita para continuar estudando. Remodelei o futuro diversas vezes, mudei de táticas, estratégias, possibilidades. Amei demais e sofri pelos fins como se a dor nunca fosse passar. Sinto falta de algumas pessoas, as que perdi pelo caminho, mas disso tudo, agora sei que a dor é uma senhora mestra em nos aperfeiçoar. Tenho certeza de quem sou, aprendi a amar minhas marcas e precipícios e já não tenho medo de encarar o passado, e estou destemida se precisar enfrentar um futuro que não cogito. Eu me tornei alguém forte, mas tocável. E estou exatamente aqui, exausta, cansada da estrada, acreditando que aqui você pudesse me ver, me encontrar, me descobrir. Não direi jamais que foi o acaso. Eu te mereço.
Cáh Morandi