se o tempo insiste em me levar
mergulho no vento sem horas
a vida tem costume de voar
me entrego, eu nunca nego
que algumas vezes quis ficar
sentada descalça na calma varanda
em vez de ir, vendo tudo passar
(Cáh Morandi)
Nem sempre sou afinada
Requintada no meu riso
Nem sempre sou recatada
Agraciada só se preciso
Nem sempre sou badalada
Emboscada no meu tino
Nem sempre sou temporada
Trovoada só se desatino
Eu vou estar no que desejam os olhares
Assim mulher, assim o que eu quiser
Santa desviada habitando em altares
Eu vou fincar fronteira pelos arredores
Assim fêmea, assim o que eu puder
Diabólica virada habitando em limiares
(Cris Poesia e Cáh Morandi)
Já tive a sensação de ante-mão
De não me ver no futuro
Já tive a sensação de solidão
De me sentir no escuro
Já aprendi a lidar com os fantasmas
Pasma, brincando com o medo
Já aprendi a chorar com as fadas
Ínfima, revelando segredos
Parte de mim foi madrugada
Outra parte fui toda sol
Parte de mim foi alvorada
Outra parte fui pérola de atol
Fui de mim muitas faces
Fui só uma no amor
Flui de mim muitas fases
Flui só uma no frescor
só por um momento eu desejei fechar meus olhos
em tantas voltas que o mundo fez para mim
(por um segundo eu quis estar mais perto)
senti vontade de estar por dentro das memórias
e de nunca mais tê-las que abandonar por um futuro;
o que a gente sente, o que a gente foi
nunca deveriam nos deixar
há uma dor enorme em ter sido... em ter feito...
em se ter sentido...
e nunca mais retornar a tudo isso
as pessoas estão sempre em silêncio
eu escrevo, olho o céu, penso
e cada nova palavra é um desafio
que depois de terminada já se torna
parte de tudo que não poderei ter de novo;
nem todos os dias de outono são quentes como hoje
e é isso, talvez, que tenha me aquecido as lembranças ternas
ter do que se lembrar não nos remete a fotografias e vídeos
nem a memória viva da face daqueles que amamos
embora isso possa parecer egoísmo,
mas uma saudade forte, é ainda poder saber
a intensidade de como nos sentimos naquele momento
em que tudo isso fez parte de nós;
de lembrarmos o nosso arrepio no corpo de quando
conhecemos nossos amores que partiram;
a forma que nos sentíamos quando os víamos dormir,
quando os beijamos, quando fomos quase únicos;
saudade que faz falta é quando nos olhamos ainda
na infância, brincando em balanços e parece que o vento
nunca parou de tocar a face e de levantar nossos cabelos;
então a saudade não está em lembrar...
saudade é ainda poder sentir
(Cáh Morandi)